“O tempo não cura tudo.
Aliás, o tempo não cura nada, o tempo apenas tira o incurável do centro das atenções.”
Martha Medeiros
Dizem que o tempo cura tudo… na realidade o tempo não cura. O tempo apenas me distancia da circunstância e permite camuflar os sentimentos e as emoções. Obviamente que o tempo afeta a “intensidade” dos sentimentos e permite-nos ver uma situação emocionalmente desgastante com outros olhos ou de outra perspetiva. O tempo, para mim, permitiu definir outras metas e focar-me noutros objetivos, contudo o sentimento persiste. O vazio que ficou não será preenchido com outros objetivos.
E por isso aqui estou quase três anos depois a escrever sobre a perda gestacional. Para o casal, o aborto espontâneo constitui um acontecimento potencialmente traumático pela sua imprevisibilidade. O processo de luto subsequente poderá ser mais longo do que a recuperação física. As emoções podem variar entre tristeza, raiva, vazio, desesperança, desilusão e desespero, muitas vezes associadas a sentimentos de culpa. Este processo envolve diferentes tarefas para os casais que o experienciam, mas certamente para todos implica aceitar a realidade da perda, e, posteriormente reconhecer e lidar com a dor.
A perda gestacional engloba, para além do sofrimento pela morte do bebé que o casal planeou e tanto desejou, perdas adicionais que reforçam o sentimento de luto, como por exemplo, a oportunidade de exercer a parentalidade, a identidade social e as expectativas e sonhos em relação à gravidez e à parentalidade. “Este tipo de perda constitui um acontecimento particularmente exigente, na medida em que diz respeito a uma relação que envolve apenas os pais do bebé e que está assente não em memórias do passado, mas sim em expectativas de futuro (Fonseca, 2008). Para além disso, pode constituir a primeira experiência de luto dos pais do bebé, atendendo à sua idade jovem, afectando simultaneamente ambos os membros da díade conjugal, o que compromete a sua capacidade de apoio mútuo” (Kavanaugh & Wheeler, 2003; Lang, Goulet, & Amsel, 2004, citado por Nazaré, B. et al., 2010).
Apesar de sentir que efetivamente vivi esta perda de forma mais intensa e profunda, o pai esteve sempre lá para mim. Atualmente apoiamo-nos mutuamente e prosseguimos com a nossa vida, temos novos projetos e novos objetivos.
Apesar da falta de apoio emocional que podemos experienciar, fruto da dificuldade que socialmente existe em prestar apoio aos casais nesta situação o psicólogo, enquanto profissional de saúde, pode ser fundamental para promover a resolução adequada e a adaptação a este evento de vida.
Ana
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