Novembro 2019

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Consumos que nos consomem ou a busca natural pelo prazer?

on 27 Novembro, 2019

“De maneira alguma a adolescência é a época mais simples da vida”

Janet Erskine

A tendência natural do adolescente é orientar-se pelo prazer. Torna-se, assim, necessário compreender os mecanismos que levam a este comportamento, não tomando as consequências como causas, mesmo que as consequências sejam as preocupações imediatas de pais e educadores.

As influências dos media com os seus intensos apelos para a busca de prazer sem limites e as transformações dos comportamentos, hoje mais permissivos do que ontem, constituem fatores externos muito citados para os consumos dos jovens. A isto aliam-se as características próprias do adolescente, as suas modificações hormonais, a busca da independência e da identidade, a tendência para a indisciplina e o gosto pela aventura. Está assim constituído o “caldeirão” onde fermentam, crescem e se desenvolvem os jovens, preparando-os para a vida adulta (Feijó e Oliveiral, 2001)[i].

Comportamento de risco

Comportamento de risco pode ser definido como a participação em atividades que possam comprometer a saúde física e mental do adolescente. Muitas dessas condutas podem começar, apenas, pelo carácter exploratório do jovem, assim como pela influência do meio (grupo de pares, família). Caso não sejam precocemente identificadas, podem levar à consolidação destas atitudes, com significativas consequências nos níveis individual, familiar e social. Contudo, o conceito de risco deve ser compreendido de uma forma o mais abrangente possível, ultrapassando os critérios biomédicos e atingindo variáveis sociais e de comportamento.

Intervenção preventiva

A intervenção preventiva não é apenas uma questão de atitude individual, uma vez que tal lógica faz de cada indivíduo em particular, um culpado em potencial (Fonseca, 2002)[ii]. Desta forma, no campo semântico da prevenção dos consumos de substâncias psicotrópicas a adoção do conceito de vulnerabilidade (ao invés de comportamento ou grupo de risco) poderá permitir construir novos objetivos e práticas mais coerentes. Desloca-se, assim, a posição do educador (esteja num serviço de saúde ou na escola) de um lugar autoritário, de quem determina quais são os comportamentos adequados e estabelece a censura aos indivíduos que não os adotam, para uma posição dentro de uma relação dialógica, em que as alternativas de prevenção possam ser construídas paralelamente ao processo de ampliação de cidadania. É que uma análise centrada no conceito vulnerabilidade parte do pressuposto de que os indivíduos não são culpados, mas que também têm responsabilidade e capacidade de transformação da sua própria história (Soares, C. e Jacobi, P., 2000)[iii].

A escola, devido à natureza educacional do seu trabalho e à possibilidade de acesso aos jovens é considerada, em todo o mundo, o locus privilegiado dos programas de prevenção dirigidos aos adolescentes.

Contudo, se o discurso e a prática dominantes na área de prevenção de drogas seguir a tradicional máxima de “guerra às drogas”, isto acabará por produzir discursos autoritários, que não estimulam a crítica por parte dos jovens, além de se imprimir “um clima de pânico” e amedrontamento entre eles (Acserald, 1989, cit. Soares, C. e Jacobi, P., 2000). No entanto, para os jovens, é muito difícil acreditar nessas mensagens, pois ao experimentarem drogas ou ao questionarem os seus pares que as consomem, encontram sensações e relatos incompatíveis com tais informações.

Desta forma, prevenção num contexto escolar (e em qualquer outro) poderá, antes, significar a adoção de programas comprometidos com uma visão mais realista e menos reducionista da problemática das drogas (a perspetiva de “redução de danos”) (Cohen, 1993, cit. Soares e Jacobi, 2000; Duncan et al., 1994, cit. Soares e Jacobi, 2000;). Esta forma de prevenção aceita um leque de objetivos no sentido de minimizar os prejuízos que possam advir do uso de drogas, e, portanto, não visa somente à abstinência como única meta aceitável. Este movimento da redução de danos associados às drogas representa também, no campo educacional, uma mudança. Isto porque o uso de drogas parece constituir-se – pelo menos no que diz respeito ao uso ocasional – numa experiência encarada como “normal” e bastante disseminada (Buzzi, 1993, cit. Soares e Jacobi, 2000). Assim sendo, os programas escolares necessitam de incorporar e disseminar informações verdadeiras sobre drogas e sobre os polos que atuam nessa teia, para que os jovens possam dispor dos elementos de que necessitam para compreender esse processo.

Educação preventiva

Essa abordagem dá maior abertura para abraçar uma educação preventiva que “capacite” os indivíduos e grupos. Ao conhecer e analisar criticamente as contradições sociais, os adolescentes podem apoderar-se dos elementos necessários para fazerem escolhas positivas durante sua trajetória, em vez de se voltarem contra si mesmos como alvo da sua própria desintegração social.

À escola caberá, então, a responsabilidade – como uma agência de socialização – de apreender a realidade de seus jovens, sendo que as estratégias preventivas podem ser desenhadas no sentido de que se atue a partir das interações sociais e formas de socialização que acontecem a partir do entorno social mais próximo e que são mais reconhecidas e valorizadas pelos adolescentes.

Patrícia Ribeiro

Psicóloga em contexto escolar

Formadora

Doutorada em Ciências da Educação


[i] Feijó, R. e Oliveiral, E. (2001). Comportamento de risco na adolescência.Jornal de  Pediatria,  77 (Supl.2)

[ii] FONSECA, A. Prevention of Sexually Transmitted Diseases and AIDS in the school environment, Interface -Comunic, Saúde, Educ, v.6, n.11, p.71-88, 2002.

[iii] Soares, C. e Jacobi, P. (2000). Adolescentes, Drogas e AIDS: Avaliação de um Programa de Prevenção Escolar. Cadernos de Pesquisa, nº 109, p. 213-237, Março

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